NINGUÉM TEM PENA DAS PESSOAS FELIZES
É assim. Chega um infeliz ao pé de nós e diz que não sabe se há-de   ir beber uma cerveja ou matar-se. E pergunta, depois de ter feito o inventário das tristezas das últimas 24 horas: «E tu? Sempre bem-disposto, não?». O que é que se pode responder? Apetece mentir e dizer que nos morreu uma avó, que nos atraiçoou uma namorada,   que nos atropelaram a cadelinha ali na estrada. 
E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo,   de «culpa». Se elas estão felizes, rodeadas de pessoas tristes, é lógico que pensem que há ali qualquer coisa que não bate certo. As infelizes acusam sempre os felizes de terem a culpa. É como a polícia que vai à procura de quem roubou as joias e chega à taberna   e prende o meliante com ar mais bem-disposto. 
Ser feliz no meio de muita gente infeliz é como ser muito rico no   meio de um bairro-de-lata. Só sabe bem a quem for perverso. 
Infelizmente, a felicidade não é contagiosa. A alegria, sim, e a   boa disposição, talvez, mas a felicidade, jamais. Porque a felicidade não pode ser partilhada, não pode ser explicada, não tem propriamente razão. Um sorriso que se sorria a uma pessoa desconhecida, só para desabafar, é imediatamente mal interpretado. As pessoas   felizes sofrem de ser confundidas com as pessoas contentes. 
Miguel Esteves Cardoso,   cronista português

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